Tertúlia Liberal

Pretende-se REFLECTIR o mundo e a sociedade, com uma nota crítica mas sem pessimismos.

terça-feira, fevereiro 20, 2007




Uma questão de fé ou de valores?

1. De entre as razões commumente apontadas para o sucesso ou insucesso de uma dada política ou para a sua falta encontram-se, com elevado grau de probabilidade, questões de fé (para alguns, questões de Fé) ou de valores, estes últimos sempre citados a contento e em função das convenientes circunstâncias.

2. Num plano estritamente pessoal, sempre diria que o desinteresse que de há uns anos a esta parte experimento pela política que se faz em Portugal se prende com a falta de uma e de outros. Falta de fé, porquanto se vislumbra - via de regra - o critério oportunista que preside a uma qualquer decisão ou proposta. Falta de valores, porquanto não se detecta pingo de vergonha na forma de fazer política, sombra de critério na selecção de prioridades e, em termos práticos e como alguns longamente proclamaram, porque as ideologias se devem ter por mortas e enterradas "neste cantinho à beira-mar plantado".

3. Escrevo isto a propósito do artigo "A battle for Global Values" que Tony Blair terá feito publicar no mais recente número da Foreign Affairs.

4. Em completa negação do que por todo lado, e desde logo no seu próprio país, se vai dizendo sobre as origens do ódio racial e religioso, Tony Blair procede a um superficial e discursivo arrazoado "histórico" situando a decadência dos povos árabes (aparentemente confundidos com o islamismo) no dealbar do séc. XX. Quem não se secularizou acolheu alguns radicais e, com isso, terá deixado a podridão de alguns pomos alastrar no cesto.
4.1. Segundo Blair os movimentos terroristas de cariz islâmico terão voltado o seu ódio para o Ocidente, nos anos 90, quando se aperceberam que estavam a afastar os moderados quando era tão confortável e eficaz encontrar um inimigo exterior comum.
4.2. Curiosamente, o final da guerra fria (e com isso do apodado financiamento a movimentos terroristas amigos) não merece uma linha no referido discurso.

5. Assim, e com o estilo que lhe é próprio, Blair produz manchetes do género "This is not a clash between civilizations; it is a clash about civilization", inventaria os malvados que aleivosamente pretendem impedir a pacificação (leia-se democratização) de Iraque e Afeganistão. Passa por cima de violações dos direitos humanos como simples e infelizes episódios menores de uma tragédia de dimensão mundial. Mas nada de importante ou realmente valorativo diz.
5.1. Diz o óbvio: a Europa deve seguir os EUA e, com este, definir a sua própria estratégia diplomática e geopolítica de influências. Pouco mais. O moral da história é "The United States wants a low-carbon economy; it is investing heavily in clean economy; it needs China and India to grow substantially. The world is ready for a new start".

6. Parece-me excessivo apostar cegamente num alastramento (para mais, selectivo) da "democracia"a bem do mercado e esquecendo realidades culturais. A democracia não é, sequer, um dado adquirido na Europa.
6.1. Estaremos nós prontos para assentar a nossa estrutura política e diplomática num critério económico que, pretensamente, estará preparado para sobrepujar valores culturais quase milenares? Mais do que isso, estaremos nós preparados? Pessoalmente, tenho as minhas dúvidas.
6.2. Com a devida vénia para o Daily Express, o título (ainda que referente a outras searas) não está mal visto.

4 Comments:

  • At 11:33 da tarde, Blogger Paulo Martins said…

    NMB,

    Bom post!
    Alguns comentários soltos:

    1) A falta de valores, o oportunismo e a mera estratégia é algo que não é característico da política actual. Basta lembrar-nos do Império Romano para percebermos que o oportunismo e a política sempre andaram lado a lado. Não é bom que assim seja, mas é um facto.

    2) Apesar de não me rever na cor política, nem tão pouco no tom do artigo que fez publicar, tenho o Blair como um bom político. O artigo é impopular, visa, num momento mito complicado, reforçar a bondade (seguida por muitos países e políticos na altura) de invasão do Iraque.

    3) Discordo, igualmente, quando referes que Blair aponta de forma óbvia a aliança com os EUA. Se se efectuasse um referendo (estão na moda!) à população europeia hoje tenho dúvidas que este sim ganhasse ...

    4) Finalmente, e talvez o mais importante, não se trata de democratizar à força passando por cima de valores e cultura milenares. Tenho muito respeito e conheço bem a cultura muçulmana/islâmica, mas matar na praça pública, escravizar mulheres, negar o direito à educação de jovens em troca de uma preparação militar em nome de um Deus não são sinónimo de cultura. Há valores UNIVERSAIS acima de qualquer cultura no mundo. Não escondo a existência de interesses, mas quando discutimos política/ideias não temos que fazer processos de intenções, temos simplesmente que as julgar como boas ou más.

     
  • At 9:30 da manhã, Blogger Nuno Moraes Bastos said…

    Paulo,

    Em anotação aos teus comentários:

    1) De acordo. Saliento apenas que, pelo menos ora, não sabes qual é o desígnio nacional, se é que o há. Haverá vida além do défice, da liberalização do aborto e da malandragem colectiva que este Governo tenta "vender" para afrontar os poderes instalados. Confesso que não se percebe, mas a haver não será o certo.

    2) É um político eficaz (não sei se isso o torna bom) e, sobretudo, publica um artigo muito básico e susceptível de - com facilidade - se voltar contra o feiticeiro.

    3) Parece-me a via óbvia porque é a única forma de a Europa ainda ter poder: a partilha. Esta França já nada risca, a Alemanha anda demasiado ensimesmada e - lamentavelmente - a Europa não se encontra (talvez por tentar suprimir as nações). Tudo isso leva a que a Europa, na sua fragilidade, deva partilhar o poder.

    4) Referia-me ao valor democracia, e apenas para (sincreticamente, concede-se) aludir que o uso genérico e pouco rigoroso desta palavra relembra o que era feito nos anos 70 quando se falava de América Latina. Não será mais do mesmo. Cheira-me a Monroe revisited...

     
  • At 11:07 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Que me dizem a esta notícia:

    " O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, garantiu esta quinta-feira que não tem conhecimento de quaisquer preparativos para uma intervenção militar contra o Irão, nomeadamente dos EUA."

     
  • At 12:57 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Não acredito que o Bush se "meta" noutra guerra depois do que aconteceu (e continua a acontecer) no Iraque.

    Mais, acho que o Blair não seria o primeiro a saber ...

     

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